O dia em que a nutrição quase implodiu
Esse texto foi escrito pelo Dr. Souto, em seu blog Low Carb – Paleo. Estou replicando aqui, pois achei genial! O conteúdo original pode ser encontrado em: http://www.lowcarb-paleo.com.br/2020/01/o-dia-em-que-nutricao-quase-implodiu.htmlh
Em 1962, o mundo quase acabou. No episódio conhecido como a Crise dos Mísseis, os EUA descobriram que a União Soviética havia instalado mísseis com ogivas nucleares na ilha de Cuba, a apenas 140 Km do território estadunidense. A tensão subiu a níveis perigosos. Nos 13 dias entre 16 e 28 de outubro, a civilização esteve à beira do abismo. No dia que ficou conhecido como “sábado negro”, um avião espião dos EUA foi abatido pelos soviéticos em Cuba, e seu piloto morreu. Literalmente, o mundo como o conhecemos quase acabou. Mas as negociações diplomáticas e o empenho dos mandatários Kennedy e Kruschev evitaram a guerra termonuclear total, culminando com a retirada dos mísseis em 28 de outubro de 1962.
Você pode não ter percebido, mas algo muito parecido aconteceu no mundo da nutrição em 19 de novembro de 2019. O dogma nutricional esteve a um passo da aniquilação. Não fosse a intervenção de nossos bravos heróis, David Katz, Walter Willett e Frank Hu, você poderia achar que a carne vermelha não vai lhe matar. Assim como Kennedy e Kruschev, esses estadistas do status quo, esses faraós da pirâmide alimentar fizeram o possível e o impossível para bloquear a explosão do seguinte dispositivo termo-nuclear: Annals of Interne Medicine – 19 de Novembro de 2019.
Disfarçado neste inocente exemplar de um dos mais prestigiosos periódicos científicos da medicina, estavam 5 revisões sistemáticas e metanálises sobre carne vermelha e mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular, desfechos cardiometabólicos, derrame, câncer e diabetes.
A conclusão? Não há evidências de ensaios clínicos randomizados – o tipo de estudo que poderia estabelecer causa e efeito – de que o consumo de carne vermelha aumente o risco de doença cardiovascular, câncer ou diabetes. Quanto aos estudos observacionais de epidemiologia nutricional – o tipo de estudo que é repleto de vieses, nos quais fatores de confusão turvam os resultados – relações entre carne vermelha e desfechos ruins eram de magnitude diminuta e grande incerteza, de modo que não justificariam a orientação de reduzir seu consumo. Coma seu filé.
19 de novembro de 2019 foi a terça-feira negra da ortodoxia nutricional. Na edição de anteontem do JAMA (Revista da Associação Médica Americana – um periódico científico altamente respeitado), foi publicado um extenso e detalhado relato das medidas desesperadas que Katz, Willet e Hu empregaram para censurar essa informação e, assim, proteger os crédulos cidadãos do mundo sobre as fake news. Afinal, o Hamburger do Futuro é sem carne vermelha, não é mesmo?
A seguir, traduzo alguns trechos deste excelente texto do JAMA, de modo que você, possa ter uma ideia da magnitude dos interesses por trás da demonização da carne vermelha. Todos os trechos em itálico são traduções literais do editorial do JAMA.
“É quase inédito que periódicos médicos sofram reações negativas sobre estudos antes que os dados tenham sido publicados. Mas foi o que aconteceu com o Annals of Internal Medicine no outono passado, quando os editores estavam prestes a publicar vários estudos mostrando que as evidências que ligam o consumo de carne vermelha com doenças cardiovasculares e câncer são muito fracas para recomendar que os adultos comam menos carne.”
“A editora-chefe da Annals, Christine Laine, MD, MPH, viu sua caixa de entrada inundada com cerca de 2000 e-mails – a maioria trazia a mesma mensagem, aparentemente gerada por um bot – em meia hora. A caixa de entrada de Laine teve que ser fechada, ela disse. Não apenas o volume era sem precedentes em sua década à frente do respeitado periódico, como o tom dos e-mails era particularmente cáustico.”
““Nós já publicamos muito sobre prevenção de lesões por armas de fogo”, disse Laine. “A resposta da NRA (National Rifle Association, uma associação de defende os donos de armas de fogo no EUA) foi menos raivosa do que a resposta da True Health Initiative.”“
E quem é a True Health Initiative (“iniciativa para a saúde verdadeira”, em português)?
“A True Health Initiative (THI) é uma organização sem fins lucrativos fundada e chefiada por David Katz, MD.””Walter Willett, MD, DrPH, e Frank Hu, MD, PhD, pesquisadores de nutrição de Harvard que estão entre os principais nomes em seu campo, atuam no conselho de diretores da THI. Katz, Willett e Hu deram o raro passo de entrar em contato com Laine sobre a retirada dos estudos antes de sua publicação”
A MELHOR FRASE DE TODO O ARTIGO: “Talvez isso não seja surpreendente. “Alguns dos pesquisadores construíram suas carreiras baseadas em epidemiologia nutricional“, disse Laine. “Entendo que é perturbador quando as limitações do seu trabalho são descobertas e discutidas à luz do dia.”
OUTRO PARÁGRAFO LAPIDAR DO ARTIGO DO JAMA: “Mas o que em grande parte foi esquecido é que Katz, THI e muitos de seus membros do conselho têm numerosos laços na indústria. A diferença é que seus vínculos estão principalmente com empresas e organizações que lucram se as pessoas comerem menos carne vermelha e seguirem uma dieta mais baseada em vegetais. Ao contrário da indústria de carne bovina, essas entidades são cercadas por uma aura de saúde e bem-estar, embora isso não seja necessariamente baseado em evidências.”
“Nos artigos do Annals, os membros do NutriRECS (a instituição que congrega os autores dos 5 artigos) e seus co-autores escreveram que procuravam trazer rigor científico às diretrizes atuais de consumo de carne, baseadas principalmente em estudos observacionais que não estabelecem relações de causa e efeito.”
“[As metanálises] não encontraram nenhuma ligação estatisticamente significativa entre o consumo de carne e o risco de doenças cardíacas, diabetes ou câncer em uma dúzia de ensaios clínicos randomizados que registraram cerca de 54.000 participantes. Eles encontraram uma redução irrisória do risco de doença entre as pessoas que consumiam 3 porções a menos de carne vermelha semanalmente, em estudos epidemiológicos que seguiram a milhões de pessoas, mas tal associação era muito incerta”.
“As demandas para retirar os documentos do Annals antes de serem publicados sugerem que a política de embargo da revista havia sido violada. (Os embargos proíbem repórteres e assessores de imprensa das instituições dos autores de divulgar artigos antes de serem publicados. Quebrar um embargo é uma violação grave.)”
Mas nossos valentes não estavam preocupados com a ética ou com as leis – afinal, estavam em uma missão para salvar a utopia plant-based que está por vir:
“Quatro dias antes da publicação dos artigos, Katz e 11 membros do THI enviaram uma carta a Laine pedindo-lhe que “retrate preventivamente a publicação desses artigos, aguardando uma revisão adicional por seu escritório”. Os signatários incluíam os membros do conselho do THI Hu e Willett; Neil Barnard, MD, presidente do Comitê de Médicos para Medicina Responsável (PCRM); o ex-cirurgião geral dos EUA Richard Carmona, MD, MPH; David Jenkins, MD, PhD, professor de nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de Toronto; e Dariush Mozaffarian, MD, DrPH, reitor da Escola Friedman de Ciência e Política Nutricional da Universidade Tufts. “
Barnard é o mesmo sujeito que disse em um documentário do Netflix que comer um ovo é o mesmo que fumar 5 cigarros. Esta gente é capaz de qualquer coisa para avançar sua causa fanática.
“É realmente assustador que esse grupo, que inclui pessoas como Walter Willett e Frank Hu da Escola de Saúde Pública de Harvard, que por acaso é a minha alma mater, tivesse ciência disso e estivesse ajudando nessa trama”, disse Laine.”
“O PCRM de Barnard chegou ao ponto de pedir à Federal Trade Commission (FTC) “para corrigir declarações falsas sobre o consumo de carne vermelha e processada divulgadas pelos Annals of Internal Medicine”.”Apesar do nome do PCRM (Comitê de Médicos para Medicina Responsável), menos de 10% de seus 175.000 membros são médicos, de acordo com seu site, que descreve a missão da organização como “salvar e melhorar vidas humanas e animais por meio de dietas baseadas em plantas e pesquisas científicas éticas e eficazes”.”Cerca de três semanas depois, o PCRM pediu ao promotor público da cidade da Filadélfia, onde fica o escritório editorial da Annals, “para investigar possíveis perigos imprudentes” resultantes da publicação dos documentos e recomendações.”
“Outro ataque veio durante uma recente conferência de cardiologia preventiva de um dia, na qual metade das apresentações foram sobre dietas plant-based. Durante seu discurso, Willett mostrou um slide intitulado “Desinformação”, que culpou várias organizações e indivíduos“
Ancel Keys era um amador perto desse pessoal. Censura prévia, ameaças, judicialização, assassinato de reputações. E com a chancela da Escola de Saúde Pública de Harvard por trás… Entre os alvos de Willet, estavam “acadêmicos baseados em evidências ”, ou seja, a NutriRECS e Gordon Guyatt, MD, MSc, presidente do painel que escreveu as diretrizes de consumo de carne.”
E quem é Gordon Guyatt? Nada mais, nada menos do que “um professor ilustre da Universidade McMaster em Hamilton, Ontário, [que] liderou o desenvolvimento, há 30 anos, do conceito de medicina baseada em evidências. Em uma entrevista à Canadian Broadcasting Company, alguns dias após a publicação dos artigos de carne, Guyatt chamou a resposta de “completamente previsível” e “histérica”.”
Esse episódio poderia entrar para a história como o dia que a EMINÊNCIA tentou assassinar a EVIDÊNCIA. Literalmente, Willett, o mais eminente nome da epidemiologia nutricional, atacou publicamente o pai da Medicina Baseada em Evidências em um PowerPoint de uma conferência de cardiologia de viés plant-based. Por que a carne vermelha TEM QUE SER ruim!
“O THI faz parte de um “movimento” da dieta à base de plantas” “Enquanto isso, os laços da indústria e outros possíveis conflitos de interesse parecem ser comuns entre os membros do conselho da THI e a própria organização.” “Entre os “parceiros” sem fins lucrativos listados no site da THI estão #NoBeef, o Olive Wellness Institute, que se descreve como um “repositório científico sobre os benefícios nutricionais, de saúde e de bem-estar das azeitonas e derivados”; e o Projeto Plantrician, cuja missão é “educar, equipar e capacitar nossos médicos, profissionais de saúde e outros influenciadores da saúde com conhecimento sobre os benefícios incontestáveis da nutrição baseada em plantas”. “Entre os parceiros com fins lucrativos da THI estão a Wholesome Goodness, que vende “alimentos melhores para você”, como batatas fritas, cereais matinais e barras de granola “desenvolvidos com orientação do renomado especialista em nutrição Dr. David Katz”; e Quorn, que vende produtos sem carne feitos de micoproteínas ou fungos fermentados transformados em massa.”
Parece delicioso.
Outra instituição de Katz é a ACLM. “Entre os “parceiros” corporativos da ACLM está o Plant Strong by Engine 2, que realiza retiros “projetados para promover e celebrar o seu potencial à base de plantas“, e a MamaSezz, que oferece “refeições integrais à base de plantas prontas para consumo, sem porcarias”.
“O membro do conselho da THI Jenkins listou em seus “interesses concorrentes” dezenas de bolsas de pesquisa de empresas e grupos do setor, incluindo a Pulse (leguminosas) Research Network, o Almond (amêndoas) Board da Califórnia, o Conselho Internacional de Nozes e Frutas Secas; Associação de Alimentos de Soja da América do Norte; o Instituto de Amendoim; A Kellogg do Canadá; e Quaker Oats Canada.”
Termina assim o artigo do JAMA: “As diretrizes confiáveis costumavam depender de quem eram as organizações ou as pessoas de quem elas vieram. ”Hoje, porém,“ o público deve saber que não temos grandes informações sobre dieta ”, disse Laine. “Não devemos deixar as pessoas com medo de sofrer um ataque cardíaco ou câncer de cólon se comerem carne vermelha”.
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No final de cada episódio do desenho animado, o narrador diz, com voz empostada “e, mais uma vez, o mundo foi salvo graças às Meninas Super-Poderosas”. Bem, isso é ficção. Felizmente, na vida real, David Katz, Frank Hu e Walter Willett, nossos meninos super-poderosos, salvaram de fato, o mundo de seus patrocinadores. A terça-feira negra passou, as pessoas continuam achando que carne vermelha causa câncer e infarto, e a humanidade caminha alegremente para a normalização da noção de que a saúde virá não de uma fazenda, e sim de uma fábrica. Bem-vindo ao (hamburger do) futuro.
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